domingo, 30 de maio de 2010

Certo dia, em algum lugar.

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Certo dia foi assim. Eu não existia e então passei a existir. Não existe uma explicação muito clara. Do nada, apareci. Mas eu acho que é o normal. As coisas aparecem no mundo e depois desaparecem, sem nenhuma explicação. Eu estou aqui, e depois não estou mais. Deixo de existir e em algum momento volto a existir outra vez.


Do nada, meu pai aparece. Ele diz "Oi" e depois desaparece. Isso quer dizer que num dado momento eu não tenho nem pai, nem nada, e, durante 3 segundos, eu passo a ter pai, que me olha e diz "Oi", para logo depois sumir e as coisas voltarem a ser como antes.


Volta e meia surge alguma outra coisa, como uma árvore ou um poste, mas essas coisas somem logo depois. Até o chão faz isso; passo a maior parte do tempo caindo num espaço branco vazio; diria que é complicado dizer se estou caindo para cima, ou para baixo, uma vez que não existe nada aqui, não dá pra ter muita noção desse tipo de coisa. Volta e meia, quando surge algum objeto, eu penso algo como "Ah, ele está vindo lá de baixo, portanto estou vindo de cima". Mas logo depois disso surge um outro objeto "caindo" numa outra direção, como se estivesse caindo da direita para a esquerda em relação ao objeto anterior, me confundindo novamente. Em algumas raras vezes o chão aparece. Caio nele, mas não me machuco. Geralmente não há nada, é um chão branco, muito limpo aparentemente. Caminho um pouco sobre ele, aproveitando enquanto há chão para se andar. Até que do nada o chão some e passo a cair em alguma direção indefinida outra vez.


Não sinto muita fome, uma vez que não gasto muita energia. Me alimento das comidas que esporadicamente surgem perto de mim: frutas, carnes, ovos, doces.


Sinceramente, volta e meia me pergunto como sei o nome das coisas e suas funções. Desde que me dou por gente estou aqui caindo neste espaço branco, nunca ninguém me ensinou nada, aliás, nunca conversei direito com ninguém, pois as pessoas surgem e desaparecem misteriosamente, não há tempo de criar qualquer tipo de intimidade. Devo ter aprendido a falar (e pensar) com esses breves episódios de interação humana, além de alguns esporádicos livros que vieram parar nas minhas mãos por acaso. Tive a oportunidade de ler algumas gramáticas e dicionários, de forma que pude juntar as coisas todas e começar a formular pensamentos lógicos, pois antes disso apenas pensava em palavras e ideias embaralhadas e nos objetos errantes, até então sem nome, que passavam por mim.


Gostaria de saber como vivem as outras pessoas; o que fazem, o que pensam, será que vivem como eu? Cada uma transitando de forma errante em sua solitária dimensão, isolada das outras pessoas?


Passo a maior parte do tempo pensando em como escapar daqui. Alguém que passou por mim certa vez disse que existem passagens para outras dimensões, deve-se estar atento a elas. Também ouvi histórias de como é viver nessas outras dimensões, das suas cores, cheiros, objetos, leis. Existem algumas dimensões onde o chão é constante, pode-se caminhar sempre, ao invés de ficar caindo no vazio a maior parte do tempo, como no meu caso. Dizem que nessas dimensões é possível construir uma sociedade, algo que nunca pude ver de perto, onde pessoas convivem e juntas podem construir suas vidas e progredir.


Já em outras, as pessoas nascem coladas. Cada pessoa possui uma outra colada nas suas costas, não necessariamente elas se dão bem, deve-se aprender a conviver em harmonia; as duas devem negociar em que lugares vão e que atividades irão realizar, uma vez que as duas terão de participar de qualquer coisa que qualquer uma das duas queira fazer.


Também existem as dimensões saturadas. Na minha, as coisas aparecem e desaparecem, de forma que existem de fato poucos objetos físicos. Nas dimensões saturadas, as coisas aparecem e nunca mais somem, os objetos vão surgindo e se aglomerando, fazendo com que as dimensões se transformem num aglomerado de massa, e apenas alguns seres microscópicos conseguem sobreviver; a tendência nessas dimensões é a extinção da vida por completo.


Me disseram que existem dimensões onde os seres nascem sempre dentro de outros. Alguns conseguiram se adaptar, mas no caso dos seres humanos isso não funciona. Quando um ser humano surge, ele causa a morte de outro. Dessa forma, a população humana dessas dimensões é extremamente reduzida, algo como 3 ou 4 humanos apenas.


Na minha dimensão é difícil dizer a quantidade de habitantes. As coisas são extremamente inconstantes por aqui. Como se pode obter dados estatísticos de um lugar onde a existência das coisas é inconstante? Algo que existe agora pode não existir daqui a cinco minutos, não se pode contar com nada onde vivo.


Estou me aproximando de um portal que atravessa dimensões. Me esforço para aproximar-me dele. Se houvesse chão agora poderia caminhar até lá; ficar nadando no ar não está adiantando de muita coisa. Vejo que atrás de mim uma pessoa se aproxima em alta velocidade. Nos chocamos e sou lançado para bem longe do portal, enquanto ele se aproxima, mas para seu azar, o portal some diante de seu olhos; ele fica realmente triste e desesperado. Para a minha surpresa, logo depois disso a pessoa desaparece.


Me pergunto para onde vamos quando não estamos aqui. É um pouco como se estivéssemos dormindo ou desmaiados; não consigo me lembrar do que acontece quando sumo. Será que apareço em outra dimensão? É bem possível, pois li num livro que em algumas dimensões não existe a memória, ou pelo menos ela é muito curta, como a lembrança de um sonho que esquecemos logo após o despertar. De onde esses livros vieram? Não seria possível fabricar um livro por aqui, certamente vieram de outro lugar. Provavelmente esses livros desapareceram de outras dimensões e aqui ressurgiram - a não ser que alguém tenha cruzado um dos portais segurando um desses livros, o que é muito improvável, uma vez que cruzando o portal, aparecemos nus na outra dimensão, foi o que li certa vez. O problema é que não conheço ninguém que tenha cruzado um portal. Nem ninguém que conhecesse uma outra pessoa que já tenha feito isso. Sendo assim, é possível que a história dos portais seja apenas uma lenda, que eles não sirvam pra nada mesmo, e, quem sabe, nem existam outras dimensões; talvez as pessoas necessitem de crenças injustificadas como essa para se manterem sãs...


Os anos passam, nada me acontece. E nada posso fazer para que algo aconteça. Penso qual será o meu sentido de existir, uma vez que tudo que faço é apenas vagar nesse espaço vazio. Já estou quase morto; eternamente solto.




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Vejam no Desce Mais Um:

http://descemaisum.blogspot.com/2010/05/fascinacao.html

A história de um incrível relato

E pra quem ainda não viu, minha entrevista pro blog Ensaios em Foco:

http://ensaiosemfoco.blogspot.com/2010/05/top-blog-em-foco-entrevista-com-rafael.html


domingo, 23 de maio de 2010

Maneiras de Se Quebrar um Ovo

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Existem muitas maneiras de se quebrar um ovo. O ovo é um objeto/comida/peça decorativa/órgão sexual/arma de combate/troço muito comum e é facilmente localizável, tanto num ambiente urbano quanto num rural. Existem ovos de muitos tipos; várias formas, cores, tamanhos, texturas. Dentro do ovo existe um conteúdo; esse conteúdo daria vida a um novo ser vivo caso não quebrássemos o ovo. Mas como somos ecologicamente errados e não nos importamos com isso, vamos quebrar o ovo para a nossa diversão.


Existem muitas maneiras de se quebrar um ovo. Por exemplo:

Você pode pegar uma marreta de quebrar concreto e acertar o ovo.

Você pode quebrar um ovo colocando ele no seu períneo e esmagando.

Você pode quebrar um ovo se jogando do alto de um prédio e caindo de cabeça no ovo, que estará previamente colocado no chão.

Você pode quebrar um ovo jogando um bebê em cima do ovo.

Você pode quebrar um ovo explodindo uma dinamite perto do ovo. Talvez ela não precise estar muito próxima do ovo.

Você pode quebrar um ovo chocando ele contra outro ovo, desde que o outro ovo tenha a casca mais resistente que a do ovo a ser quebrado.

Você pode quebrar um ovo inserindo-o na vagina/ânus da sua namorada enquanto ela dorme.

Você pode quebrar o ovo depositando-o na cadeira de alguém, antes que a pessoa sente.

Você pode quebrar um ovo defecando nele, mas é importante ressaltar que será necessária uma quantidade razoável de fezes para que o impacto cause o rompimento da casca.

Você pode quebrar um ovo largando-o do alto de uma ladeira; quando o ovo alcançar o fim da ladeira (ou até antes) irá se chocar com algo e quebrar.

Você pode largar um ovo de dentro de um avião que estiver voando; dependendo do tamanho do avião e da resistência da casca, é possível que o ovo quebre se largado de dentro de um avião em repouso.

Você pode furar um ovo com um termômetro de mercúrio; é importante lembrar que caso o termômetro se rompa durante a perfuração, não é recomendável o consumo do ovo, pois este possivelmente estará contaminado com mercúrio.

Você pode pedir/ordenar/implorar para que outra pessoa quebre um ovo. Nesse caso fica a seu critério se irá instruir a pessoa sobre como quebrar o ovo, ou se a deixará livre para fazer da maneira que preferir.

Você pode não quebrar um ovo. Nesse caso, a princípio, o ovo permanecerá inteiro. Será preciso que algum evento/acidente ocorra e cause o rompimento da casca (existem exceções a essa regra. Mais adiante explicarei técnicas de quebra ovalar semelhantes, nas quais o ovo será quebrado sem a sua intervenção direta).

Você pode quebrar um ovo pedindo para que alguém de confiança esconda o ovo dentro de sua casa. Dessa forma, você acidentalmente quebrará o ovo. O sucesso dessa forma de quebração oval irá depender do local onde o ovo for colocado; se for num local que você nunca mexe/vai, é possível que o ovo permaneça intacto por vários anos. E se for colocado num local frequente acesso, como o chão perto da entrada de casa, é possível que outras pessoas quebrem o ovo.

Você pode invadir a casa de alguém, armado, render os moradores do local, e quebrar um ovo com sua arma ou com as mãos, o que não é recomendado, pois por ser uma situação de perigo, a mão estar melecada com o interior do ovo pode atrapalhar na fuga do local.

Você pode colocar o ovo dentro da privada (com cuidado) e dar a descarga. Não é recomendável que haja fezes dentro da privada durante este procedimento, pois as fezes podem amortecer os impactos do ovo contra as paredes da privada.

Você pode quebrar um ovo colocando-o num trem de alta velocidade e fazendo esse trem chocar-se com outro trem de alta velocidade. É recomendável não ficar dentro de nenhum dos trens.

Você pode quebrar um ovo abrindo um corte profundo em sua barriga e introduzindo o ovo ali. Depois é só dar alguns socos na barriga e depois procurar um pronto-socorro antes que você sangre até a morte.

Você pode colocar um ovo no chão e esperar que um meteoro o destrua (Essa técnica não é recomendada, primeiro por que é possível que um meteoro demore muito a cair no ovo, e segundo, caso um meteoro caia sobre o ovo, é muito provável que você também morra, sem contar com o fato de que mesmo que você não coloque o ovo no chão, ele será destruído pelo impacto do meteoro, onde quer que ele esteja. Por isso muitos teóricos não concordam que esta seja considerada uma Técnica de Quebração Ovalar).

Você pode quebrar um ovo jogando-o num buraco-negro. É muito provável que você também seja sugado e destruído pelo buraco negro, o que torna esta técnica um tanto perigosa.

Você pode simplesmente esperar que o ovo se autodestrua, sem nenhuma razão aparente para que isso ocorra. Você deve estar pensando em como isso seria possível, pois, para algo ser destruído, deve haver uma razão, algo que provoque a destruição. Podemos chegar à conclusão de que é paradoxal a ideia de uma autodestruição sem um evento interno ou externo a provocando. Mas é aí que entra a mágica do ovo. O ovo é o único objeto do nosso mundo que quebra esta lei da física; ele se autodestrói simplesmente, sem razão para isso. Isso pode demorar milênios, mas acontece. Portanto, não repare se um ovo seu explodir na geladeira, ou no galinheiro, pois é a mágica mística dos ovos em ação.


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Essas são as maneiras de se quebrar ovos que estão catalogadas no IEO (Instituto de Estudos do Ovo). Caso os leitores saibam de outras técnicas de quebra ovalar, por favor, deixem um comentário explicitando tal procedimento. Obrigado.





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Leiam a entrevista que o blog Ensaios em Foco fez comigo:
http://ensaiosemfoco.blogspot.com/2010/05/top-blog-em-foco-entrevista-com-rafael.html

e

Vejam no Desce Mais Um
http://descemaisum.blogspot.com/2010/05/nave-do-imperador.html
A Nave do Imperador
Relato sobre uma invasão extraterrestre.


domingo, 16 de maio de 2010

Sonífero

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Um ar de luar
E os sete dragões alados
Lutando no espaço
Até explodirem todas as dimensões
E os cacos caírem
Se misturando a tudo que sempre existiu

Dando origem a um novo olhar;
Aos mais profundos devaneios

Sinto quando você aparece
Acima de tudo
E carrega a minha vida
Pra um outro lugar
Bem aqui
Tão distante desse ponto
De sombras
Turvas
No meu travesseiro




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Vejam no Desce Mais Um
http://descemaisum.blogspot.com/2010/05/tecnologias-e-imagens-de-cavalos.html
Tecnologias e Imagens de Cavalos
Escrito para o tema "Reencarnação"

domingo, 9 de maio de 2010

Pedaços e Pessoas

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Oi, eu sou uma pessoa
E você é outra

Nós somos duas pessoas

Uma em cada lugar no espaço
E nós estamos entrando em contato

Eu olho pros seus pedaços
Eles estão todos juntos e grudados
Criam uma sensação de unidade no teu corpo
Você é uma união de vários pedaços
Que juntos se tornam algo maior
Algo que é mais do que a soma das partes

Eu me vejo e sou como você
Uma união de várias partes
Em frente ao espelho
Posso me ver por inteiro
E constatar este fato

Mesmo estando próximos
Consigo ver as nossas fronteiras
Vejo onde eu termino
E onde você começa

E nós não somos grudados
Nem dividimos a mesma cabeça
Muito menos outras partes do corpo
Somos independentes, um do outro

Eu te olho e você me olha
Podemos nos ver
A luz torna isso possível

Eu te toco e você me toca
Podemos nos tocar
Os átomos tornam isso possível

Podemos nos fundir
Viramos um ser apenas
O amor torna isso possível




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Vejam no
http://descemaisum.blogspot.com/2010/05/dentro-da-bermuda.html
"Dentro da Bermuda"
Escrito para o tema da semana: "Sobre sonhos e pesadelos"
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domingo, 2 de maio de 2010

A Espera

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Eu fui até lá
E lá te esperei
Você não disse que ia
Mas eu te esperei
Esperava que você fosse
Que pensasse em mim
E aparecesse
Todos foram, menos você
Todos, até os que não iriam

Depois que todos saíram
Ainda fiquei a esperar
Podia ser que você aparecesse
O segurança pediu para que me retirasse
Mas eu disse que estava a te esperar
Ele não não entendeu e saiu
Apenas eu fiquei

E lá eu fiquei
De lá nunca mais saí
Lá fiquei várias horas
Vários dias, anos e séculos
Mas por algum motivo você nunca vinha

Esperei tanto que morri
E novamente nasci
Esperei tanto que não sei se isto já foi
Ou se ainda está por vir
Esperei tanto que não sei mais
O que é não esperar
Esperei tanto que o chão sob meus pés
Já deixou de existir
Esperei tanto que o tempo da espera
Supera a idade do universo
Esperei tanto que a espera se tornou concreta
E nela podemos tocar
Esperei tanto que a espera emitiu um som
Que agora é o único som a soar
Esperei tanto que somente da espera posso lembrar
E nem sei mais quem sou, além de alguém a esperar

Mas por ser tolo
Nunca me dei ao trabalho de te ligar
Você que estaria do outro lado da linha
Apenas esperando eu te chamar





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Vejam no
http://descemaisum.blogspot.com/2010/05/festa-na-usina-nuclear.html
"Festa na Usina Nuclear"
Escrito para o tema da semana: "Realidades Inventadas"
(contém uma montagem tosca feita por mim...)